Enquanto dentro dos estádios brasileiros acontece a Copa das Confederações, do lado de fora o povo brasileiro dá um show à parte demonstrando o que realmente é ser patriota. As manifestações que já duram mais de uma semana, foram inicialmente rotuladas equivocadamente pela mídia manipuladora de vandalismo. Entretanto, a medida que o movimento foi ganhando força, esta mesma mídia teve que recuar e fazer uma leitura mais fidedigna do que estava acontecendo, até porque já estava sendo escrachada pela população.
A truculência com que a polícia tratava o povo brasileiro que estava nas ruas lutando por seus direitos também passou a chamar a atenção, talvez resquícios de uma polícia ainda militarizada, uma das poucas no mundo que ainda é. O povo agora anda indignado com seus governantes e com seus policiais que se mostraram apenas fantoches cumprindo ordens de seus superiores.
Depois do povo brasileiro tanto clamar nas ruas por reforma política, por menos violência dos policiais e de uma minoria da população, por uma saúde e educação no ‘padrão Fifa’ se referindo ao que foi gasto nos estádios que celebrarão a Copa do Mundo, deixando bem claro que não se sente representada por nenhum partido político e que anda às avessas com todos eles, a mídia se desculpou, a polícia recuou e os políticos finalmente acordaram. (apesar de eu não acreditar que eles tenham realmente mudado, penso ser apenas estratégia)
E qual o perfil dos manifestantes? Perfil feita pelo Datafolha (FSP, dia 21/6/13) no protesto do dia 20/6/13 em São Paulo verificou que “78% dos manifestantes da Av. Paulista têm Ensino Superior, 20% Médio e 2% Fundamental”. Se considerarmos que no último censo do IBGE de 2010 a fatia da população com nível superior era de 7,9% podemos concluir que o protesto de São Paulo era elitizado e não representou a “massa” pobre e trabalhadora do país.
Numa análise mais profunda porém não se sustentam os discursos de que a “nossa” corrupção, os “nossos” governantes e a “nossa”classe política desmoralizou nossa democracia. Em verdade, e estatisticamente, não há diferença significativa entre o descrédito dos brasileiros e de populações de outros países europeus ou norte-americanos para com suas democracias. Em nosso caso, entretanto, podemos considerar duas outras circunstâncias determinantes:
1) Há uma década, praticamente todos os tradicionais representantes e líderes da classe média brasileira foram duramente derrotados ou “mudaram de lado”. É o que se observa na diminuição em termos de voto e prestígio de partidos como PFL/DEM, PSDB, PPB/PP, e no apoio de outros líderes tradicionais, do PMDB, PL, etc., ao projeto petista. Para quem é de esquerda isso pode não fazer sentido, pois afinal o governo Lula não apresentou rompimento significante com a ordem anterior, mas para essa fatia da classe média foi duro ver seus líderes serem derrotados ou traindo sua origem para continuar no poder. Isso, apesar da falta de dados mais concretos, pode sem dúvida ter contribuído com o descrédito, por parte dessa classe, na política e democracia tradicional.
2) Há também uma década existe uma emissão diuturna, por parte da mídia tradicional (Globo, Folha e Estadão, Veja, etc), de discursos sobre o alastramento da corrupção, que são repercutidos nas redes a exaustão. Dados comprovam contudo que não existiu esse alastramento, mas sim uma continuação dessa prática desde governos muito anteriores. Apesar de ser evidente a ligação desse tipo de corrupção com a história de nosso capitalismo (os corruptores), a mídia conservadora tenta todos os dias identificar essa característica em uma suposta fraqueza moral de seus inimigos políticos.
Essas duas características criaram, no seio da fatia da população que protagonizou as manifestações, um ódio irracional e de classe, acumulado por tudo o que se origina no projeto petista. Ódio que é personalizado em figuras como Arnaldo Jabor, Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi.
Pois bem, apesar da falta de mais dados, podemos considerar que foi a partir da autorização velada (ou mesmo desvelada, como fez Jabor) por parte da mídia tradicional à participação nas manifestações, que os protestos foram tomados por essa classe média e elitizada. Como já é sabido, contudo, foi a esquerda organizada que os iniciou, por uma causa justa, mas pontual: o transporte público.
A partir disso a frase que resumiu esse momento foi dita por alguém: “o Facebook foi para as ruas”. Todo o ódio destilado, já há tempos, em comentários anônimos nas redes sociais e em comentários de sites de notícias, foi para as ruas. Pôde-se ver a cara dessas criaturas. Numa catarse coletiva, proporcionada, por um lado, por anos acumulando um ódio de classe alimentado pela mídia opositora, e por outro lado pela inquietação advinda da angústia gerada pela insignificância (e promessas de significância) produzida pela Capital, toda essa fatia foi rebelar-se contra tudo e contra todos nas ruas.
E as coisas começaram a mudar, será? Pelo menos é o que parece: derrubaram a PEC 37 que limitava o poder de investigação do Ministério Público, aprovaram a corrupção como crime hediondo, aprovaram votações abertas em algumas sessões da Câmara, aprovaram repasse de royalties do petróleo para saúde e educação e continuam trabalhando e votando projetos, coisa que nunca se vê por aqui. Até o recesso de julho foi cancelado.
A Tv Senado nunca teve tanta audiência, nunca se falou tanto de política por aqui como atualmente, inclusive nas redes sociais. Oportunistas aparecem de todos os lados dizendo que tinham avisado ou que tinham projetos a respeito destes assuntos reivindicados pelo povo, só acreditam os mais ingênuos ou despolitizados.
O povo não estava dormindo, ele estava cansado, remoendo e engolindo sua indignação, faltava apenas iniciativa, união e coragem! As manifestações continuam e o povo não parece nem perto de se calar. E hoje, mais do que nunca, eu sinto muito orgulho de ser brasileira.